Romances - de ideia, de linguagem e de narrativa.



   As vezes um aspirante a escritor tem dificuldade de começar um romance, ou mesmo outros tipos de texto, por simples falta de conhecimento técnico das possibilidades de um texto poder ser interessante para o leitor. Vemos livros muito chatos conquistando fãs e defensores ferrenhos, vemos livros pouco inovadores e cheios de clichês com uma legião de fãs (né... Crepúsculo?) , ou livros mau estruturados e maus escritos que trouxeram dinheiro para os bolsos dos autores. Como é possível livros com graves defeitos fazerem tanto sucesso? Não estou dizendo, é claro, que você deva escrever livros com graves defeitos para ele ser um sucesso, esse não é o ponto, o ponto é que o aspecto literário que o autor escolheu para ser o atrativo do livro funcionou muito bem nesses casos, tão bem, que defeitos que seriam graves se vistos de forma isolada, não atrapalham tanto assim a leitura de quem gostou da proposta do livro.
   O nosso primeiro pensamento quando vamos escrever um bom livro é que ele deve ter uma boa narrativa, deve ter palavras bem escolhidas, como se as palavras fossem as pinceladas de uma obra de arte. Mas a literatura é uma arte com muito mais possibilidade que ter uma boa narrativa.
   Existem três aspectos básicos que tornam um texto atrativo; e sim, um deles é a narrativa. Mas a linguagem usada na obra, por si só, pode ser algo interessante; também a ideia apresentada no livro pode ser o atrativo principal. Portanto, romances podem ser classificados de acordo com aspecto-chave que o torna um atrativo. Romances podem ser de ideia, de linguagem ou de narrativa.

   Quando ficamos com vontade de ler um livro pelo título interessante ou pela sinopse do livro, geralmente, é porque nos sentimos atraídos pela ideia que o livro nos apresenta. Uma situação inusitada e suas consequências, um personagem com características interessantes... quase como se o autor nos apresentasse seu livro dizendo "o que acontece se isso for feito assim e não do jeito normal?", "o que faria um personagem que possua tal característica passando por tal situação?" "E se um evento que achamos improvável acontecer mesmo?"... e assim por diante. Um livro que tem como atração principal a ideia geral da história, é um romance de ideia. Como exemplos de romances de ideia eu posso citar A Náusea, de Jean-Paul Sartre e a ficção científica Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley.

   Já em outros livros, a história é quase apenas uma desculpa para se exercer uma linguagem inovadora, criativa, chocante... Um texto cujo escritor não se detém em escrever palavrões, ou que as falas levam o sotaque dos personagens, que são caipiras ou vulgares ou de determinada região. Muitos gostam de escritores ecléticos, leem suas histórias de amor, de terror, de ficção científica.. não importa que gênero o escritor escreva, seus fãs leem, porque gostam da linguagem que o escritor usa, o ritmo dele, o modo como o autor descreve paisagens, personagem, acontecimentos. Romances que possuem a linguagem como seu principal atrativo são denominados romances de linguagem. Por exemplo, Finnegans Wake, de James Joyce, que é escrito usando diversos idiomas, fundindo palavras, etc. Ou então várias obras do escritor Osman Lins, onde ele funde duas narrativas diferentes, buscando dissolver as duas narrativas, no final. Isto também me lembra alguns romances de Camilo Castelo Branco, como Mistérios de Lisboa, onde o escritor vai desvendando o mistério por trás de um órfão em um retalho de muitos diários, cartas, depoimentos e conversas.

   Por fim, temos livros em que o seu forte são os eventos da história, a trama conforme vai sendo desencadeada. Livros assim tem a sua essência muito forte e resistem ao tempo, mesmo milhares de anos, resistem a edições e traduções. Uma idéia um tanto fraca, cotidiana, uma linguagem convencional, sem muita inovação, mas ainda assim bons livros, por conta da sua fórmula literária, a forma como a narrativa se desenrola. Livros com boa narrativa são facilmente adaptados para o cinema. Livros assim são Romances de Narrativa como Robison Crusoé, um homem preso em uma ilha, ideia uma tanto genérica, simples, mas que nos encanta pela história. Ou Casamento, de H G Wells, um casal em uma tempestade, nada muito interessante a princípio, mas com uma grande história de amor e reconciliação.

  Antes de começar a escrever um romance, é importante identificar a sua ideia inicial, a semente desse texto dentro da tua mente, o primeiro lampejo de inspiração. É uma ideia, uma proposta de linguagem ou você já tem um esboço dos acontecimentos da sua história? Isso te ajudará a ter um objetivo ao escrever. Dê mais luz ao aspecto que você identifica como sendo o principal no seu projeto: a idéia, a linguagem ou a narrativa. Nunca, porém, negligenciando os outros dois aspectos, não permita que o teu livro tenha um grave defeito por achar que um aspecto bom vai ser o bastante, é um erro comum dos escritores em livros como Moby Dick, Crespúsculo e outros.

  Obras épicas, memoráveis, costumam ter fortes tanto a idéia, quando a linguagem quanto a narrativa. É o caso de Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, O Nome da Rosa de Umberto Eco, O Senhor do Anéis de Tolkien...

   Enfim, o que se deve ter em mente é que uma boa ideia, uma linguagem interessante e uma narrativa bem contada são como os componentes de um drink: escolha qual você quer tenha mais no copo, ou faça uma mistura bem proporcional, mas não se esqueça de acrescentar todos os itens na mistura.


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