Os Melhores Filósofos versus os Piores Filósofos

Platão e Aristósteles, um afresco de Raphael Sanzio (1483-1520)





   Dá para levar a sério uma pessoa que diz que a verdade absoluta não existe? Como isso poderia ser verdade, então, se a verdade não existe? É um ensinamento que refuta a si mesmo.
   Nunca caia na tentação de fazer essa afirmação. É pior erro filosófico que você poderia cometer: fazer um afirmação que se refuta sozinha.
   Nos tempos de Platão existiram professores de oratória que cobravam para ensinar as pessoas a persuadir, argumentar e debater. Parece bom, não fosse o fato de que eles não davam a mínima para a verdade. Eles passaram a ser chamados de sofistas ("ideal da sabedoria"), um termo que passou a ter um tom pejorativo, apesar do significado. Para esses professores, qualquer opinião, quando bem discursada, pode convencer as massas. Para eles a verdade é uma coisa que pode ser fabricada; e toda a opinião pode ser fundamentada em bons argumentos. Eles ensinavam que a opinião do aluno, seja ela qual for, pode ter o tom da verdade. Foram, então, os pioneiros da desonestidade intelectual.
    "O que é verdade?" perguntou cinicamente o governador Pilatos a Jesus quando este afirmou que viera "dar testemunho da verdade." Pelo visto, Pilatos, um político, era um sofista de primeira. Na época de Jesus, a sofística estava no que é hoje chamado de Segunda Onda sofística. 
   Séculos antes, surgiam os primeiros sofistas. Um problema que Platão se esforçou muito em resolver. Ele desenvolveu uma técnica chamada dialética, para combater a retórica dos sofistas. A dialética consiste em realizar perguntas um ao outro até chegarem em um acordo sobre a tese considerada; se não chegarem a um acordo, significa que a tese esta errada. Para Platão a sua dialética é a verdadeira retórica, uma ferramenta para se chegar à verdade, que se diferenciava da falsa retórica, que eram as técnicas oratórias dos sofistas. É interessante notar que, enquanto os sofistas ensinavam que os ouvintes eram "almas passivas" sedentas em ouvir um discurso bonito, Platão, em sua dialética, criava uma interação com o outro, ambos falavam. Coisa que chamaríamos hoje de... "trocar ideia."
     Um dos sofistas mais influentes da época era Protágoras. Havia uma frase sua que era célebre: "O homem é a medida de todas as coisas, das coisas que são, enquanto são, das coisas que não são, enquanto não são." A relativização da verdade dos sofistas fica bem evidente neste ensinamento. Se todas as coisas são medidas pelo homem, é o homem quem determina todas as coisas. Não há ética, moral, ... ou verdade... absoluta, tudo é determinado pelo homem, isto é, pela cultura. Isso ia de encontro com o que Platão, discípulo de Sócrates, ensinava: o valor da investigação, da pesquisa, buscar a verdade ao invés de simplesmente elaborar um discurso para defender sua opinião.
    Porque será que Platão implicou tanto com os sofistas? Houve um evento da vida deste filósofo que nos faz refletir. Seu mestre, Sócrates, fora condenado à morte em um tribunal. 
   Sócrates não cobrava para ensinar e fazia pior, ele ensinava que não é necessário pagar professores quando se aprende a pensar, a investigar. Que mais se enfureceria por conhecimento grátis do que os sofistas? Que cobravam para ensinar?
     Sócrates foi preso por três acusações: não acreditar nos deuses, ter pacto com deuses malignos e perverter os jovens com as suas ideias. Durante o julgamento Sócrates se defendeu apontando uma grave contradição nas acusações: "Como posso não acreditar nos deuses e ao mesmo tempo me unir a eles?" 
   Apesar das acusações ridículas, o juiz foi convencido graças ao discurso sofista. O discurso cheio da enganadora retórica de três autênticos sofistas da época, que eram os acusadores de Sócrates: Ânito, um político, Meleto, um poeta, e Lícon, um professor que vivia de ensinar retórica. Foi dado a Sócrates a opção do exílio ao invés da morte. Sócrates optou pelo "desconhecido", como ele dizia, ele escolheu a morte.
   Platão viu o seu mestre amado morrer por meio do discurso sofista. Fica claro, então, porque Platão combatia tanto a desonestidade intelectual, o uso de retórica para induzir as pessoas ao engano.
    Vimos na história de vida de Platão que pessoas, inclusive juízes, políticos, jornalistas, podem ser convencidas a crerem piamente em uma mentira; graças às técnicas de oratória; isto quanto eles próprios não são os sofistas. 
   Você nunca achou estranho que, apesar de haver somente uma verdade, culpado ou inocente, há um advogado que acusa e outro que defende, e eles defendem suas posições até o fim? Sempre há um deles que está usando sofismas para promover uma mentira...
     Hoje, mais do nunca, o sofismo é perigoso. É só o mentiroso ser um bom discursante. As técnicas de oratória são um leque de opções: ele pode distorcer os fatos, reinterpretar os fatos, e até inventar argumentos ali mesmo, como estatísticas falsas, por exemplo. Quem dentre aquelas "almas passivas" imaginaria que um "dado matemático", uma estatística, pode ser puramente inventada? E, para dar mais credibilidade, os sofistas hoje acusam o outro de ser mentiroso. Olha que técnica bonita de enganação das massas... Quem é o culpado, quem é o inocente? Se o acusado também acusa?
    Como combater o sofismo hoje em dia? Nem que seja apenas evitar ser enganado por um sofista? Isto serve para juízes, para consumidores, para eleitores, para todos. A resposta é simples: siga a escola dos verdadeiros filósofos... a escola da pesquisa, da investigação. Aquilo que Sócrates ensinou para Platão, Platão ensinou para o seu discípulo Aristóteles... não é à toa que estes são os três filósofos mais famosos  até os dias de hoje! Não seja uma "alma passiva", participe da dialética. 
   E quando você estiver ouvindo um charlatão fazendo um discurso bonito, na política, na religião, no comércio, imagine os espíritos de Sócrates, Platão e Aristóteles sussurrarem no seu ouvido: 

"Pense por si mesmo...
 investigue...
 pesquise..."
   

   

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