Os segredos dos guerreiros.

  Mesmo naquele ambiente sombrio, Jacimar parecia focada em sua meta de nos levar para o acampamento do Capitão Teodoro.
  Havíamos caminhado pelo Peabiru já por todo o dia. A noite se aproximando já não era algo que aguardávamos com feliz ansiedade, mas quando o tempo começou a nublar temíamos também por uma tempestade. Com todas aquelas nuvens carregadas, a escuridão se adiantava a própria noite. E a natureza expressava sua fúria por meio de trovejantes badaladas.
  O vento mais forte, que deveria ser um refrescante alívio ao mormaço daquela mata perversa, era para nós somente mais uma confirmação da nossa desventurança. E o cheiro de umidade que precede a chuva, antes doce e nostálgico, era para nós um aviso da iminência de uma noite aterrorizante.
   Antes ainda de anoitecer, Jacimar nos desviou da estrada e nos levou até um precipício onde podíamos ver, lá de cima, a uns trezentos metros, um acampamento em uma área aberta que margeava o rio. Não poderia ser outra senão a caravana que teria cruzado o Peabiru, e da qual examinamos os rastros. Eu podia ver com certa nitidez uma figura imponente, com um florete embainhado em sua cintura, era o próprio Capitão Teodoro. O que fazia tão longe da vila que administrava? Nada bom vinha a minha mente como resposta.
   Eu podia ver também, entre os poucos cavaleiros, cujos cavalos foram dilacerados naquela estrada, não apenas um homem do pelourinho, amarrado, mas outra figura, um índio, totalmente nu.
  “Kaíque!” - Exclamei. No que Ubiratã apareceu apoiando-se em meu ombro para que eu lhe apontasse a visão.
   Mesmo que não houvesse nada confirmado, nossa determinação de atacar o acampamento aumentou. Haviam uma dúzia de guerreiros ali; nós éramos apenas três guerreiros inteiros, que eu admitiria em batalha: Ubiratã, Jacimar e eu. Não admitiria nem o Jararaca, gravemente ferido, nem Taynara, jovem demais. Teríamos que derrubar quatro cada um. Mas eu estava esperançoso, se atacássemos de noite, de surpresa…
   Durante a tocaia, a tempestade chegou já antes de anoitecer, sem que pudéssemos construir um abrigo. A chuva exauriu o calor de nossos corpos em questão de um par de horas. Tentávamos desesperadamente acender uma fogueira, ante a qual erguemos uma pequena parede de folhas para dificultar a percepção do acampamento.
   Taynara, molhada e exausta, tentava seus melhores truques para acender a pira. Mas toda a lenha já estava ensopada, corríamos o risco de sermos vencidos somente pela natureza, de hipotermia. Olhávamos uns para os outros, já pensando em arriscar um ataque mal-planejado e em circunstâncias imprevistas; para quê morrer vítima da natureza sem lutar? 


  Inesperadamente, a pira acende misteriosamente como que por uma explosão, ardia e até mesmo chiava, ebulindo qualquer umidade na lenha; até mesmo Taynara estava pasma. E nossos corpos receberam o calor do imprevisto evento. A chama não se apagaria até que quiséssemos, posteriormente.
  Naquela noite, eu pensei ter visto, entre o mato que inundava a parte de trás do precipício, uma chama estranha, que figurava algo levemente humano e infantil, espreitando-nos atrás de um pequeno tronco de uma jovem árvore.
  Mas a chuva parou no meio da noite. Havia desaguado, fogosa, tudo o que tinha em poucas horas. Estávamos ansiosos para atacar os sonolentos sodados em plena madrugada. Ubiratã se pinta, deixa o Ibirapema no chão e empunha a misteriosa e enorme arma que sempre carregava nas costas. Tinha um formato de uma pá, inteiramente de madeira maciça, e tinha que ser manejada com as duas mãos. Jacimar me informava, cochichando em meu ouvido, sobre a misteriosa arma:
   “Essa chama Ualukatu. Ubiratã a pegou de uma tribo misteriosa que teria atacado a vila uns dez anos atrás. A arma era de um pajé.”
   Taynara havia pedido permissão para procurar certas ervas nas redondezas e, para nossa surpresa, encontrou muito mais do que isso: Taynara aparece de mãos dadas com uma senhora, cujos olhos não estavam mais vendados, e brilhavam como os olhos de um jaguar. Não era mais uma senhora lenta que evitava até mesmo falar; parecia uma velha deusa da noite, cuja imponência era uma contradição à sua aparente idade. 

  Iuna nos reencontra com um olhar ao mesmo tempo amigável e desconfiado, como se perguntasse: “Travariam mesmo em uma excitante batalha noturna sem mim?” 

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