O Elemento Surpresa
Com esse inesperado reforço, planejamos atacar o acampamento e resgatar os dois prisioneiros. Um deles, por estar nu, deduzimos ser Kaíque; o outro, o misterioso “Homem do Pelourinho”, o mesmo que encontrei amarrado no pelourinho do arraial, no começo dessa jornada temporal; e de alguma forma misteriosa, estava envolvido em toda essa trama, inclusive devia fazer parte das intenções de Arimane... de alguma forma...
Junto com Jacimar, Ubiratã e Iuna, planejamos a tática mais adequada. Combinamos que, enquanto Iuna iria, diretamente e de forma sorrateira, resgatar os prisioneiros, Jacimar atacaria, com seu arco, os dois guardas despertos, um de cada lado do acampamento. Ubiratã e eu ficaríamos a postos, próximo ao acampamento e atacaríamos os outros dez soldados, que estariam desprevenidos e sonolentos, após um sinal de Jacimar. Jacimar, Iuna e, talvez, Kaíque se juntariam a nós após suas missões iniciais.
Taynara insistiu em participar da batalha, mas não permitiríamos que uma moça jovem assim participasse de tal sanguinolência. Ela deveria ficar e cuidar do Jararaca, que parecia cada vez mais fraco. Taynara ficou sentida por não permitimos sua participação. Ela quer mostrar seu valor de guerreira, após ter ficado paralisada de terror diante do ataque das onças. Mas ela provou-se muito valiosa na função de suporte da equipe, com suas habilidades de enfermeira e de campismo.
Taynara quis ajudar mesmo no acampamento. Ela checou a direção do vento e avisou para irmos com o nariz e a boca cobertos e nunca olharmos em direção à fogueira. Aceitamos sua ajuda e eu fiquei curioso para saber o que aconteceria.
Ubiratã me deu a honra de usar o seu ibirapema durante a batalha.
Assim que pusemos o plano em prática já não demos mais Iuna por conta, ela havia seguido sua missão de resgate… invisível durante seu domínio supremo… a noite!
Jacimar também ia se afastando para buscar a melhor posição de franco-atiradora, com arco e flecha ao invés de fuzil.
Ubiratã e eu ficamos escondidos, esperando a hora de atacar. A noite já voltava a ficar estrelada, e logo que a nossa visão se acostumou à escuridão, as estrelas eram nossos holofotes.
O primeiro guarda caiu, eu podia ver claramente. O segundo guarda, ao notar a queda de seu companheiro, teve alguns segundos para alarmar o acampamento antes de também cair.
O sinal não era mais o nosso, mas serviu para tomarmos a decisão de avançarmos com o ataque enquanto os soldados cingiam suas espadas. A cobertura que escondia a fogueira do nosso acampamento também foi descoberta com o sinal do guarda; era Taynara e seu estratagema misterioso.
Após alguns segundos, os inimigos começaram a tossir, esfregar os olhos e engasgar. Meu rosto estava coberto e, embora meus olhos também ardessem um bocado, eu ainda podia ver se piscasse constantemente. Eu recordo agora que Taynara chegou a colher alguns ramos de cumari pelo caminho; aposto que foi isso que ela jogou na fogueira! Boa menina...
Avancei em um dos soldados e quebrei-lhe o ombro com a poderosa ibirapema, roubei-lhe sua espada e o executei. Foi meu primeiro assassinato, Adler; e antes de participar desse ataque, eu tinha a expectativa de experimentar algo emocionante e alucinante. O sangue do inimigo untando meu peito, era de um pobre rapaz, não muito mais velho que Taynara, estava apenas cumprindo ordens. E me olhou nos olhos até perecer pela própria espada. Foi mesmo emocionante e alucinante; fiquei imerso no acontecimento, com o coração palpitando, o sangue fervendo, enquanto ouvia o som da arma nova de Ubiratã, ainda mais letal, soando um “vvaap” atrás do outro. Outros soldados caíram como que por nada, próximo dali, quando o último caiu, a figura de Iuna apareceu atrás desse último, com sua ponta de flecha tingida de vermelho sangue! Ela também carregava Kaíque inconsciente em suas costas.
Tudo havia acabado, mas eu continuava imerso, embora eu tivesse, na verdade, odiado a emoção e alucinação dessa batalha; tendo que derramar o sangue de um jovem. Eu estava lá, paralisado pela adrenalina, ainda carregando o corpo do jovem inimigo pela sua espada traspassada nele. Meus aliados se aproximavam para me tranquilizar então, finamente, acordei e larguei a espada.
Jacimar me traduzia o que os guerreiros relatavam:
“Iuna diz que só encontrou Kaíque, o outro homem foi perdido; depois matou três soldados. Ubiratã matou cinco e eu, quando cheguei para ajudar, já não tinha mais quem matar, então matei os dois guardas.”
“Com este aqui são onze. Tinha doze. Faltou um inimigo e o prisioneiro.” - Concluí
Procuramos o corpo do Capitão Teodoro e não encontramos. O patife fugiu com o prisioneiro enquanto abandonava seus homens para a morte.
Ainda não acabou; aquele misterioso prisioneiro é a chave para deter os planos de Arimane, eu sabia disso! Alarmou o padre quando perguntei sobre ele; nenhum aldeão daquele arraial quis falar sobre as coisas sinistras que o capitão Teodoro fazia quando saía da vila. Tínhamos ainda que seguir esse capitão sinistro e seu prisioneiro.
Mas não deixaríamos Jararaca e Taynara sozinhos; embora eu suspeitasse que Taynara nunca esteve desprotegida e sozinha como parecia… algo a acompanhava… seria assim desde de seu nascimento?
E havia ainda outros mistérios com esses guerreiros: Como Iuna não morreu? Quem raptou Kaíque debaixo dos nossos narizes? Como Jacimar sabia a direção do acampamento? Tínhamos muita conversa para pôr em dia e mais caminho para percorrer.
Iuna comia o cipó que mantinha enrolado no pescoço. Jacimar revelou mais esse segredo de Iuna:
“O que Iuna come chama cipó-cravo; é como o que os caraíbas chamam de ‘tônico’ mas mais forte ainda.”
Radiante, Iuna olha para seus companheiros e os chama, farejando os rastros do capitão e do prisioneiro.
Seguíamos completos novamente, mas cada guerreiro tinha muito para explicar. E eu, certamente, faria todas as perguntas.
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