O Terceiro Olho de Daren



Eu e Daren continuamos nossa conversa sobre como lidar com o fenômeno em sua mente.

“Não podemos dormir em turnos porque precisamos de diálogo. Então, não posso vigiar o seu sono.”

“Também não posso ir para casa.”

“Não posso te deixar sozinho com um fenômeno tão poderoso como esse que ocorre em sua mente. Você pode mudar a linha do tempo e causar consequências inimagináveis: apressar o apocalipse nuclear, atrapalhar o descobrimento da América… nem quero pensar no que pode acontecer. Pense que você está doente e será internado e só eu posso te dar alta.”

“Pensando assim, bom, eu prefiro ter cuidado especializado então.”

“Darei uns dias de folga para a empregada e posso te oferecer o quarto dela. Tudo bem?”

“E minhas roupas?”

“Você tem duas mudas. Use uma enquanto lava a outra. Entenda que não podemos arriscar te deixar sem supervisão nem mesmo por algumas horas.”

 

Sexta, vigésima oitava sessão do paciente.

“Como foi seu sono em um quarto diferente do seu, Daren?”

“Com aquele chá que o senhor faz eu sequer posso dizer como foi porque nem notei meu sono.”

“Tirando os seus sonhos não podemos avançar muito. Se lhe devolvermos seus sonhos arriscamos sua vida. Podemos apenas conversar mais sobre a teoria da magia, mas como ficamos com o seu poder? Como entendê-lo se nem meus livros milenares falam sobre o seu tipo de poder?”

“Pra mim está resolvido. Não sonho mais tomando chá. Queria que meus pesadelos acabassem e acabaram.”

“Daren, você não pode ficar a vida toda tomando chás. Essas ervas possuem efeitos negativos com o uso prolongado! Quer ficar careca, com voz fina e… seios?”

“Absolutamente...não! O que eu preciso para acabar com isso?”

“O único caminho que vejo é voltarmos com a nossa velha missão de melhorarmos o modo como você encara o passado; se você deixar de ansiar tanto pelo passado, a lógica é que não terá mais vontade inconsciente de ir ao passado. Mas esse processo pode, também levar anos. Não me parece ser a solução ainda.”

“Falando como cientista, criar um outro eu no passado deve envolver quantidades enormes de energia. Não tem como me ‘puxar da tomada’, por assim dizer?”

“Realmente, seu poder é mais do que transcendência, também é transmutação. Você transmuta uma cópia de você a partir de outras matérias disponíveis. Sabemos que a energia responsável por isso vem da sua mente. Você também transporta a sua mente, o seu id, ego e super-ego, para o seu novo corpo no passado; essa transcendência também deve envolver a manipulação de energia.”

“Uma viagem física para o passado envolveria enormes quantidades de energia comum para transportar a matéria física pelo tempo; isto segundo a ciência teórica."

"Isso não se aplica para transportar sua psiquê; para essa tarefa a quantidade de energia pode ser bem menor; mas o tipo de energia necessária, energia mental ou cósmica, ou até ambas, não é tão fácil de controlar ou cancelar. Eu sequer sei se é possível. Mas já é um novo caminho, espero que este tenha a saída.”

“Não estaria na hora de exalarmos a poeira dos teus livros? Apolo, meu amigo?”

“Creio que sim.”

    Pesquisamos muito em minha biblioteca e, como eu já a tinha lido quase toda, não foi muito difícil me lembrar logo da leitura sobre as energias místicas citadas pelas culturas antigas: o sekem dos egípcios, o chi oriental e o prana hindu.
   Focamos no prana hindu por um motivo: o modo como a mitologia indiana descreve a interçâo das energias com o corpo humano: os chakras.
   Chegamos a conclusão que a energia responsável para a transcendência da consciência de Daren para o passado é a energia cósmica, que recebemos do cosmo pelo topo de nossa cabeça, pelo chacra Sahashara.
    Já a energia responsável pela bi-locação é o poder mental, que seria o terceiro chacra, o Manipura. É a região onde a energia mental da vontade impera.
    Eu retomei minhas análises do comportamento de Daren e, pelo seu comportamento, notei que os chacras de Daren estão longe da harmonia ou, talvez, se harmonizam de forma diferente do comum.
    Falando do modo como os hindus viam a questão, Daren, como todos nós, recebe a energia telúrica, proveniente da terra, a partir do chakra raiz, o Muladhara. A energia cósmica, vinda do céus, é recebida pelo último chakra, o Sahashara, no topo da nossa cabeça. O quarto chakra, do coração, chamada de Anahata, é responsável pelo balanceamento das duas energias, para que haja harmonia. Ele redistribui as duas formas de energia pelo corpo. É assim com pessoas normais.
   Quanto ao paciente, os testes demonstraram que ele não possui um equilíbrio energético em seu corpo, mas dois:
   Daren possui duas harmonias, uma vez que seu chakra Anahata está completamente inativo! Não há um balanceamento de energias, e mais: o primeiro, o terceiro e o sétimo chakras estão extremamente hiperativos enquanto que o segundo, quinto e sexto chakras estão quase tão inativos quando o  chakra do coração, o Anahata.
   A única conclusão possível para essa configuração dos chakras de Daren é que ele canaliza uma imensa quantidade de energia telúrica para o seu terceiro chakra, o Manipura, responsável pelo poder mental e usa esse poder para criar um segundo corpo. Nos chakras acima do Anahata acontece o oposto: uma imensa quantidade de energia cósmica é retida pelo seu chackra sétimo, o Sahashara, responsável pela projeção da consciência, telepatia, etc. Com toda essa energia cósmica concentrada em seu Sahashara, Daren pode transcender sua alma para o corpo do passado.
  Como Daren consegue essa configuração bizarra dos chakras é desconhecido para mim. Mas qualquer guru hindu morreria de inveja de Daren.
   Claro que essa harmonia alternativa dos chakras de Daren faz mal ao rapaz. Daren é não é comunicativo e é frio ao sofrimento alheio; eu já havia tomado nota dessas características de comportamento. É o resultado da hipoatividade de seu Anahata e de seu Vishuddha, quarto e quinto chakra.
   Daren demonstrou interesse excessivo no Ajna, o chacra da consciência, que gostamos de chamar de ‘terceiro olho’. Muito acertadamente, Daren concluiu que sua consciência fraca é o que o impede de controlar a viajem pelo tempo.
   Vejo agora um jovem obcecado em abrir seu ‘terceiro olho’, expandir sua consciência, para obter controle de seu poder e ir para épocas seguras.
   Deixei-o lendo livros em sânscrito nas prateleiras, com uma agilidade de tradução notável, se munido com um livro linguístico.
    Daren não sonhou esta noite; porque não dormiu.

Sábado, vigésima nona sessão do paciente.

“Então Daren, o que concluiu com suas pesquisas?”

“Li que há muitas formas de abrir os chakras: Com sons, que seriam os mantras dos hindus e com cores fotônicas, principalmente quando canalizadas por pedras específicas.”

“No final voltamos a falar de luz, uma especialidade minha.”

“Eu projetei um diadema e um cinto que intencionam causar dois efeitos: Abrir o meu terceiro olho e intensificar a harmonia alternativa dos meus chakras. Isso me tornaria mais poderoso e com controle sobre o meu poder.”
“O diadema consiste em posicionar uma pedra que produziria uma vibração fotônica de cor índigo bem em cima do Ajna, o terceiro olho, eu pensei em uma safira. Enquanto que, no topo da minha cabeça, uma pedra com vibração multicor intensificaria ainda mais o acúmulo de energia cósmica, eu pensei em algo transparente como um diamante."
“O cinto deve ter a vibração amarela para aumentar meu poder da vontade, eu pensei no ouro.”
“Os aparatos também emitirão sons localizados, de baixa frequência, respectivos aos mantras de cada chakra. O que acha do projeto Doutor Adler? Me dê sua opinião de especialista.”

“O seu projeto está bem desenhado. O que não é novidade para um engenheiro como você. Há um tipo raro de mago que usa tecnologia para controlar fenômenos místicos. Que mistura magia com tecnologia. São chamados de Taumaturgos.”

“E acha que essa minha… taumaturgia vai funcionar?”

“Não temos condições de conseguir essas pedras maravilhosamente caras para o seu projeto.”

“Sério? Então meus aparatos não vão sair do projeto.”

“Não desanime Daren. Acho que podemos substituir o diamante por uma ametista, visto que a frequência fotônica violeta também tem um efeito positivo sobre o sétimo chakra. Para o Ajna eu prescrevo Lápiz-Lazuli ao invés de safira e seria preferível o topázio ao invés do ouro para o Manipura.”

“Mas será que essas pedras mais baratas funcionariam, Doutor?”

“Daren, o valor de mercado de uma pedra não tem nada a ver com o seu valor místico! Esteja certo que a minha escolha de pedras melhorou muito a eficácia dos seus aparelhos.”

 Permiti que o taumaturgo usasse meu laboratório para forjar seus aparelhos tecno-místicos.
   E ele terminou seus aparelhos de madrugada, justamente no horário para testarmos seu sono transcendente.

Daren veste, orgulhoso, sua nova invenção, talvez não notando o quanto ele agora abraça o misticismo além da ciência.
Um diadema improvisado, feito com fibra ótica, para administrar a vibração fotônica pelo aparato. E um cinto tecnológico cuja “fivela” é uma magnífica pedra topázio do tamanho de um punho. Em seu Ajna, o terceiro olho, fora pendurada uma bela pedra lápis-lazuli, lapidada em forma de gema. Seu diadema se pareceu um pouco com os enfeites de penteado das mulheres indianas.
Ficou até um pouco andrógeno, parecendo uma mistura de yogue com yoguini. Em posição de meditação, a chamada posição de lótus, Daren começa a se concentrar, com a minha orientação. A intenção agora é não dormir, não deixar o inconsciente tomar o controle. A intenção é fazer a viajem acordado!


“Concentre-se Daren” Escolha uma época segura.”

“Sim. A praia da minha infância.”

"Imagine-a…”
“Sinta-a...”
“Note o cheiro da areia salgada, o barulho do mar...”
“Sinta-se lá”
“Esteja lá”

Os olhos de Daren se viram como um clarividente. As pedras de seu diadema e de seu cinto brilham com a luz mística. E vibram com os sons de baixa frequência produzidas pelos aparelhos de Daren.
No topo de sua cabeça, surge uma aura visível qde luz. Em seu meridiano, surge a manifestação de uma energia imensa. Uma energia mística inigualável, que jamais pude produzir em qualquer experiência que fiz nesse porão profano.
Mas, de repente, Daren grita como se o próprio inferno estivesse sendo derramado sobre ele! De sua boca vi sair chamas, como se Daren fosse um dragão! Com a boca cheia de chamas continua gritando. Tudo acontece em uma fração de segundo, embora parecesse uma eternidade
Daren entra em combustão espontânea e eu não tenho escolha a não ser intervir para salvar o agonizante Daren.
Joguei Daren no tanque das enguias e o fogo ainda perdurou sob a água por alguns segundos. A combustão de Daren foi contida mas não antes de ebulir violentamente a metade do conteúdo da água e de cozinhar as enguias.
  Daren ainda estava vivo quando o pus sobre a mesa do laboratório. E, provisória e momentaneamente, o mantinha vivo segurando o espírito dele em seu corpo com Seidr, enquanto usava toda a alquimia que eu conhecia para curar-lhe as queimaduras.


Domingo, dia em que seria a trigésima sessão do paciente.

   Daren, felizmente, vai se recuperar de suas queimaduras, sem cicatrizes, graças a uma antiga cópia do Galdrabok que eu mantinha a muito tempo conservado. Ele pôde até se levantar e me contar o que aconteceu.

“Por uma fração de segundos, eu vi o inferno, Apollo! Respirei um ar que parecia chumbo derretido e cai em uma piscina de lava. Aquele céu escuro e enfumaçado… tudo era terrível!”

“Bilhões de anos. Você queria ir para a praia de sua infância e viajou bilhões de anos, Daren!”

“Mas porque os equipamentos não tiveram efeito sobre o meu ajna, se potencializaram tanto minha capacidade de ir ao passado?”

“Daren, o que você pode enxergar com os olhos fechados?”

“Ein, doutor?”

“O equipamento funcionou para os outros chacras porque você os tem abertos, estavam receptivos a todas aquelas vibrações.”

“Você deve abrir o Ajna antes de usar seus aparelhos.”

Daren dedica o resto do dia estudando como abrir o Ajna.
Sim, seu Ajna, não é para Daren nada menos do que a chave mestra para todas as épocas que ele desejar ir. Conquistado um estado de consciência mais elevado, ao abrir o terceiro olho, Daren será o Lorde das Eras… Daren se tornará um tipo de mago que eu nunca havia visto; capaz de transcender pela quarta dimensão e explorar todos os segredos ocultos pelas brumas do tempo.


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