A Mulher da Casa
– Pai, a mãe nem toma café mais com a gente! – Diz o jovem revoltado, na mesa do café.
– Ela está fazendo mais palestras esse mês. – Diz o pai, desconcertado.
– Tem dia que ela nem vem pra casa!
– Algumas palestras são em outro estado.
– Logo ela vai ficar igual aos parentes de temporada…
O pai faz uma pausa reflexiva…
– Hoje, vamos ver a palestra da sua mãe! – O pai levanta da mesa e, decidido, vai se arrumar.
– Mas é longe demais!
– Carro é pra essas coisas.
– Mas e o seu trabalho?
– Eu tiro folga.
Pai e filho partem, então, para uma jornada. Tudo para ver uma palestra da mulher da casa; tudo para ter alguns minutos a mais em família, a família completa.
– Mas eu nem queria ir ver a mãe dando palestra. É chato. Eu queria falar com ela e não ouvir ela falar.
– A gente tira uns minutos pra falar com ela depois da palestra.
– Uns minutos para dizer oi e tchau…
– Sua mãe é uma excelente médica, ela tem que dividir o tempo dela entre a gente e o mundo.
– O mundo não casou com ela... e o mundo não saiu de dentro dela…
Sem argumentos, o pai continua dirigindo em silêncio.
Mas logo o carro pifa no meio da estrada. Ao abrir o capô eles percebem que a bateria do carro vazou; não era um problema que poderia ser resolvido com gambiarras.
Pai e Filho se encontram sós, naquele sol escaldante, naquela estrada inóspita; sem sinal de celular, nem mesmo tráfego para pedir ajuda. Logo descobriram que perderiam aqueles minutos que queriam passar em família.
– Não é uma boa hora para ter sede, né, pai.
– Sede? Não… mas se quiser mijar, a área é vasta.
– Também não uma boa hora para piadas.
A ânsia de verem a mãe, e a esposa, e a frustração de estarem encalhados na estrada, não permitiram que os dois percebessem que o lugar onde estavam não era dos piores. Ao lado da estrada, uma campina e do outro lado, uma épico panorama: uma suave ribanceira, seguida de um lago e, logo atrás, montanhas, já desvanecidas pela distância.
– Qual é o plano, pai?
– Sem celular, nem água, nem comida, tudo o que podemos fazer é encontrar algum lugar alto e prestar bem atenção para encontrar alguma casa e pedir ajuda. Mas você vai ter que ficar para olhar o carro.
– Eu não gosto da ideia. Eu fico preocupado, pensando que você caiu, desmaiou, sei lá. Se não passa ninguém nem para nos ajudar, acho difícil aparecer algum trombadinha.
– Para ajudar não tem mesmo. Mas rato, você sabe, aparece pra todo o lado. O que você sugere?
Alguns minutos depois do rapaz esconder uma das rodas do carro, os dois partem para um morro que havia por ali, pasto acima.
– Tem certeza que está tudo bem pularmos essa cerca enfarpada?
– É uma emergência, filho. Se alguém pegar a gente… e se não nos matarem… significa ajuda... não acha?
Logo, eles chegaram no topo do morro, subiram em um cupinzeiro abandonado e procuraram, ante ao lindo panorama, e do lado de cá também.
– Achou alguma coisa, filho? Uma cabana, gente pescando, coisa e tal?
– Não, mas parece que tem um pé de goiaba carregado perto daquele lago.
– Qualquer coisa... é o almoço e a janta.
Mas o pai pareceu avistar algo.
– Ela está muito longe... mas… parece uma casinha. E não parece haver nada mais perto.
Então eles desceram o morro, pularam novamente a cerca enfarpada, atravessaram a rua, desceram a ribanceira, passaram pelo pé de goiaba… almoçaram… dai chegaram na casinha. Mas estava abandonada.
O pai deu um suspiro longo e profundo, como se fosse o pior dia da vida dele.
Quando vasculharam a casa, só encontraram entulhos. Ao redor da casa, nada além de uma trilha para o lago.
Seguiram a trilha só por curiosidade. Havia uma cruz ali, na margem, com flores secas e uma fotografia enlameada de uma mulher.
– Meio assustador.
– Humpf… meio?
Na volta, o rapaz, cheio de espírito juvenil, decidiu animar as coisas.
– Duvido que você consegue subir a ribanceira mais rápido do que eu!
– Ah é? Está duvidando do fôlego do seu velho? Então vamos ver. – E deram a largada. Ao final o pai foi perdendo o fôlego e seu filho foi alcançando-o. Mas não haviam juízes para decidir quem teria chegado primeiro.
– Eu dei um passo na estrada primeiro. – Argumenta o pai.
– Mas o meu nariz estava na frente. É assim que eles fazem nas corridas, para decidir quem chegou primeiro.
– Nariz, né, espertinho? Ganhou por causa do nariz? Espere até os colegas na escola saberem que você ganhou do seu pai porque o seu nariz chegou primeiro… ahaha.
Sim, apesar de tudo, era um legítimo momento de pai e filho.
Cansados, eles deitaram na campina, na beira da estrada e ficaram admirando o panorama.
– Sabe, pai, tem umas flores muito bonitas nessa campina. Tem problema homem gostar de flor?
– Não tem nenhum problema homem gostar de flor. Só um homem de verdade admite do que gosta sem se importar com o que os outros vão pensar. Eu mesmo, já ganhei flores da sua mãe! E adorei!
O sol foi descendo pela paisagem, mudando as cores, alaranjando o asfalto, e permitindo o frio da brisa.
O rapaz vivia uma vida urbana e não se lembrava de ter vislumbrado uma paisagem rural em algum momento.
– Sabe pai, agora eu entendo a importância daquelas aulas de biologia do colégio. O homem é parte da natureza, precisa conhecer isso para conhecer a si mesmo. Não acha?
– Já está no primeiro ano filho? Tá com quantos anos?
– Dezesseis.
– Puxa… caramba...
O pai notou que também estava trabalhando demais e que havia se esquecido de ver a vida passar.
– Já provou capim, filho? É só se servir, a gente come o talo mais branquinho, que fica dentro das folhas, é só puxar.
– Mas não está sujo de xixi de vaca?
– A parte que fica dentro não.
– Não tem gosto de nada pai... prefiro mil vezes essa goiaba.
– O buffet é livre.
Os dois permaneceram deitados por mais de uma hora, conversando sobre garotas, sobre carros, e sobre trivialidades. Trivialidades estas que, de tanto faltarem, tornaram-se algo indispensável para eles… as coisas mais despretensiosas da vida. Falar bobageira, contar piada… Nossa! O quanto os dois perceberam que precisavam disso!
– Que chato esse negócio de ficar preso na estrada, né?
– É, que chato. – respondeu o pai, em tom de ironia.
– Mas até que está dando para segurar as pontas…
O pai olha para seu filho com ternura.
– Filho, está sendo um dos dias mais legais da minha vida! Apostamos corrida, comemos goiaba, admiramos a natureza...
– Eu nem pensava que sobreviveria longe da internet por mais de 6 horas.
Começou a anoitecer e o rapaz expressou uma curiosidade que o estava matando.
– Estou pensando naquela cruz. Se a mulher foi enterrada tão perto do lago. O lago deve estar mal assombrado. Eu queira descer lá para ver se vejo um fantasma. Vamos?
– Ah, não sei, essa ideia me parece louca demais até para você.
– Qual é pai? Tem medo de fantasma?
– Nem sei se acredito.
– Ás vezes, só depois de ver acreditamos.
Os dois desceram a ribanceira para procurar fantasmas. Uma atividade entre pai e filho muito incomum. Mas para o rapaz, significava que o seu pai era alguém acessível, disposto a acompanhá-lo para onde quer que ele fosse. Para o pai, era uma oportunidade de ter uma aventura inigualável com o seu filho.
Algo de luminosidade tênue parecia mesmo estar ali, no meio do lago. Poderia ser um fenômeno de natureza conhecida, como a combustão de gases biológicos, ou algo desconhecido, não dava pra saber.
“Eu acho que é o fantasma da mulher da foto”, comentou o rapaz.
“Eu acho que é OVNI, isso sim”, retrucou o pai.
Mas o fantasma, ou o OVNI, realmente não era o que importava. Pai e filho estavam ali, um com o outro, um para o outro. E até um lago cheio de névoa, no breu da noite, com fantasma ou OVNI, podia ser um passeio. Não correram, não se assustaram, porque o importante era eles e não o mundo. Podiam estar comentando sobre o mundo, mas somente porque queriam ter mais uma desculpa para estender a conversa, estender o momento.
Logo tiveram que parar e subir para o carro em busca de abrigo. E colocar a roda de volta, é claro.
Quando amanheceu, o rapaz conseguiu sinal no celular, subindo nos ombros do seu pai, que subiu no cupinzeiro daquele morro. A mãe do rapaz atendeu.
Ela cancelou as palestras que faria e foi, pessoalmente, resgatar os seus dois homens. Tiveram aqueles minutos em família... no carro, à caminho de casa.
– Sei que é difícil para vocês o meu trabalho. Tendo eu que viajar algumas vezes. – Disse a mulher; o rapaz já estava dormindo no banco de trás.
– Querida, esse é o seu trabalho, nós entendemos isso muito bem. O pior mesmo era eu: que estava trabalhando em casa, a mesma em que o nosso filho vive, e, mesmo assim, estava a quilômetros de distancia dele.
– Ela está fazendo mais palestras esse mês. – Diz o pai, desconcertado.
– Tem dia que ela nem vem pra casa!
– Algumas palestras são em outro estado.
– Logo ela vai ficar igual aos parentes de temporada…
O pai faz uma pausa reflexiva…
– Hoje, vamos ver a palestra da sua mãe! – O pai levanta da mesa e, decidido, vai se arrumar.
– Mas é longe demais!
– Carro é pra essas coisas.
– Mas e o seu trabalho?
– Eu tiro folga.
Pai e filho partem, então, para uma jornada. Tudo para ver uma palestra da mulher da casa; tudo para ter alguns minutos a mais em família, a família completa.
– Mas eu nem queria ir ver a mãe dando palestra. É chato. Eu queria falar com ela e não ouvir ela falar.
– A gente tira uns minutos pra falar com ela depois da palestra.
– Uns minutos para dizer oi e tchau…
– Sua mãe é uma excelente médica, ela tem que dividir o tempo dela entre a gente e o mundo.
– O mundo não casou com ela... e o mundo não saiu de dentro dela…
Sem argumentos, o pai continua dirigindo em silêncio.
Mas logo o carro pifa no meio da estrada. Ao abrir o capô eles percebem que a bateria do carro vazou; não era um problema que poderia ser resolvido com gambiarras.
Pai e Filho se encontram sós, naquele sol escaldante, naquela estrada inóspita; sem sinal de celular, nem mesmo tráfego para pedir ajuda. Logo descobriram que perderiam aqueles minutos que queriam passar em família.
– Não é uma boa hora para ter sede, né, pai.
– Sede? Não… mas se quiser mijar, a área é vasta.
– Também não uma boa hora para piadas.
A ânsia de verem a mãe, e a esposa, e a frustração de estarem encalhados na estrada, não permitiram que os dois percebessem que o lugar onde estavam não era dos piores. Ao lado da estrada, uma campina e do outro lado, uma épico panorama: uma suave ribanceira, seguida de um lago e, logo atrás, montanhas, já desvanecidas pela distância.
– Qual é o plano, pai?
– Sem celular, nem água, nem comida, tudo o que podemos fazer é encontrar algum lugar alto e prestar bem atenção para encontrar alguma casa e pedir ajuda. Mas você vai ter que ficar para olhar o carro.
– Eu não gosto da ideia. Eu fico preocupado, pensando que você caiu, desmaiou, sei lá. Se não passa ninguém nem para nos ajudar, acho difícil aparecer algum trombadinha.
– Para ajudar não tem mesmo. Mas rato, você sabe, aparece pra todo o lado. O que você sugere?
Alguns minutos depois do rapaz esconder uma das rodas do carro, os dois partem para um morro que havia por ali, pasto acima.
– Tem certeza que está tudo bem pularmos essa cerca enfarpada?
– É uma emergência, filho. Se alguém pegar a gente… e se não nos matarem… significa ajuda... não acha?
Logo, eles chegaram no topo do morro, subiram em um cupinzeiro abandonado e procuraram, ante ao lindo panorama, e do lado de cá também.
– Achou alguma coisa, filho? Uma cabana, gente pescando, coisa e tal?
– Não, mas parece que tem um pé de goiaba carregado perto daquele lago.
– Qualquer coisa... é o almoço e a janta.
Mas o pai pareceu avistar algo.
– Ela está muito longe... mas… parece uma casinha. E não parece haver nada mais perto.
Então eles desceram o morro, pularam novamente a cerca enfarpada, atravessaram a rua, desceram a ribanceira, passaram pelo pé de goiaba… almoçaram… dai chegaram na casinha. Mas estava abandonada.
O pai deu um suspiro longo e profundo, como se fosse o pior dia da vida dele.
Quando vasculharam a casa, só encontraram entulhos. Ao redor da casa, nada além de uma trilha para o lago.
Seguiram a trilha só por curiosidade. Havia uma cruz ali, na margem, com flores secas e uma fotografia enlameada de uma mulher.
– Meio assustador.
– Humpf… meio?
Na volta, o rapaz, cheio de espírito juvenil, decidiu animar as coisas.
– Duvido que você consegue subir a ribanceira mais rápido do que eu!
– Ah é? Está duvidando do fôlego do seu velho? Então vamos ver. – E deram a largada. Ao final o pai foi perdendo o fôlego e seu filho foi alcançando-o. Mas não haviam juízes para decidir quem teria chegado primeiro.
– Eu dei um passo na estrada primeiro. – Argumenta o pai.
– Mas o meu nariz estava na frente. É assim que eles fazem nas corridas, para decidir quem chegou primeiro.
– Nariz, né, espertinho? Ganhou por causa do nariz? Espere até os colegas na escola saberem que você ganhou do seu pai porque o seu nariz chegou primeiro… ahaha.
Sim, apesar de tudo, era um legítimo momento de pai e filho.
Cansados, eles deitaram na campina, na beira da estrada e ficaram admirando o panorama.
– Sabe, pai, tem umas flores muito bonitas nessa campina. Tem problema homem gostar de flor?
– Não tem nenhum problema homem gostar de flor. Só um homem de verdade admite do que gosta sem se importar com o que os outros vão pensar. Eu mesmo, já ganhei flores da sua mãe! E adorei!
O sol foi descendo pela paisagem, mudando as cores, alaranjando o asfalto, e permitindo o frio da brisa.
O rapaz vivia uma vida urbana e não se lembrava de ter vislumbrado uma paisagem rural em algum momento.
– Sabe pai, agora eu entendo a importância daquelas aulas de biologia do colégio. O homem é parte da natureza, precisa conhecer isso para conhecer a si mesmo. Não acha?
– Já está no primeiro ano filho? Tá com quantos anos?
– Dezesseis.
– Puxa… caramba...
O pai notou que também estava trabalhando demais e que havia se esquecido de ver a vida passar.
– Já provou capim, filho? É só se servir, a gente come o talo mais branquinho, que fica dentro das folhas, é só puxar.
– Mas não está sujo de xixi de vaca?
– A parte que fica dentro não.
– Não tem gosto de nada pai... prefiro mil vezes essa goiaba.
– O buffet é livre.
Os dois permaneceram deitados por mais de uma hora, conversando sobre garotas, sobre carros, e sobre trivialidades. Trivialidades estas que, de tanto faltarem, tornaram-se algo indispensável para eles… as coisas mais despretensiosas da vida. Falar bobageira, contar piada… Nossa! O quanto os dois perceberam que precisavam disso!
– Que chato esse negócio de ficar preso na estrada, né?
– É, que chato. – respondeu o pai, em tom de ironia.
– Mas até que está dando para segurar as pontas…
O pai olha para seu filho com ternura.
– Filho, está sendo um dos dias mais legais da minha vida! Apostamos corrida, comemos goiaba, admiramos a natureza...
– Eu nem pensava que sobreviveria longe da internet por mais de 6 horas.
Começou a anoitecer e o rapaz expressou uma curiosidade que o estava matando.
– Estou pensando naquela cruz. Se a mulher foi enterrada tão perto do lago. O lago deve estar mal assombrado. Eu queira descer lá para ver se vejo um fantasma. Vamos?
– Ah, não sei, essa ideia me parece louca demais até para você.
– Qual é pai? Tem medo de fantasma?
– Nem sei se acredito.
– Ás vezes, só depois de ver acreditamos.
Os dois desceram a ribanceira para procurar fantasmas. Uma atividade entre pai e filho muito incomum. Mas para o rapaz, significava que o seu pai era alguém acessível, disposto a acompanhá-lo para onde quer que ele fosse. Para o pai, era uma oportunidade de ter uma aventura inigualável com o seu filho.
Algo de luminosidade tênue parecia mesmo estar ali, no meio do lago. Poderia ser um fenômeno de natureza conhecida, como a combustão de gases biológicos, ou algo desconhecido, não dava pra saber.
“Eu acho que é o fantasma da mulher da foto”, comentou o rapaz.
“Eu acho que é OVNI, isso sim”, retrucou o pai.
Mas o fantasma, ou o OVNI, realmente não era o que importava. Pai e filho estavam ali, um com o outro, um para o outro. E até um lago cheio de névoa, no breu da noite, com fantasma ou OVNI, podia ser um passeio. Não correram, não se assustaram, porque o importante era eles e não o mundo. Podiam estar comentando sobre o mundo, mas somente porque queriam ter mais uma desculpa para estender a conversa, estender o momento.
Logo tiveram que parar e subir para o carro em busca de abrigo. E colocar a roda de volta, é claro.
Quando amanheceu, o rapaz conseguiu sinal no celular, subindo nos ombros do seu pai, que subiu no cupinzeiro daquele morro. A mãe do rapaz atendeu.
Ela cancelou as palestras que faria e foi, pessoalmente, resgatar os seus dois homens. Tiveram aqueles minutos em família... no carro, à caminho de casa.
– Sei que é difícil para vocês o meu trabalho. Tendo eu que viajar algumas vezes. – Disse a mulher; o rapaz já estava dormindo no banco de trás.
– Querida, esse é o seu trabalho, nós entendemos isso muito bem. O pior mesmo era eu: que estava trabalhando em casa, a mesma em que o nosso filho vive, e, mesmo assim, estava a quilômetros de distancia dele.
Prestar atenção às coisas simples da vida!
ResponderExcluirExato! Trabalhar para viver e não o contrário.
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