Jacimar

   Então eu passei, enojado, pelos corpos e segui em frente, seguindo os rastros até que desapareceram da estrada. Ao examinar melhor, eu notei que os rastros desviaram mata adentro. Eu ia continuar rastreando mas senti uma presença por perto. Ainda assustado eu gelei e paralisei, incapaz de procurar ao redor. Eu apenas ouvia a respiração, lenta e intensa, como a do cão que falou comigo. Nessa hora, o medo faz os sentidos aguçarem, e eu senti o movimento do ar ao meu redor, revelando o andar daquela presença em minha direção. Eu queria gritar mas não podia. Mas se pudesse quem ouviria? Quem viria ao meu resgate? E se viessem, o que poderiam fazer? Uma vez que eu estou lidando com insanidades obcecadas, além da compreensão, que disputam pelo controle do universo.
    Uma mão toca meu ombro e o susto do toque devolveu controle aos meus movimentos. Era a indígena que eu encontrei naquela manhã.
    Toda enfeitada, ela empunhava um arco, como uma guerreira.
    “Você nada pode fazer contra o que você está seguindo. Pois eles são guerreiros de quem não é nem gente e nem bicho, por isso toda essa região é mal. O arraial e em volta.”
    “Assim, você está fraco, sem arma, sozinho. Eu tinha achado você doido, caburé; mas é o único ousado que procura, que tenta saber o que acontece aqui. Mas fraco assim, é a morte que você segue, e vai achar. Tem que vir comigo e me ajudar a falar com o cacique para mandar guerreiros te ajudar.”
    “Mas depois pode ser tarde.” - respondi.
    “A viagem de quem você segue é longa, de dias. Você só vai pegar um desvio e depois eu mostro atalho.”
    Eu perguntei o nome da bela índia e ela disse que se chamava Jacimar. Uma linda mulher de bronze, grandes olhos “puxados”, maçãs do rosto salientes, cabelos compridos e franja cheia. Outrora vestindo roupas pobres europeias, agora trajada como guerreira: um colar de miçangas vermelhas, apenas uma simples tanga de penas, que só cobria a frente, e pinturas pelo belo corpo. Fiquei envergonhado, inicialmente, em caminhar sozinho com uma bela índia praticamente nua. Depois eu confesso que fiquei inflamado por ela. Por fim, eu passei a encarar o momento com muito mais naturalidade, uma vez que me dei conta de que, para ela, estar nua em minha presença era algo natural e inocente; e a inocência dela, finamente, me forneceu equilíbrio, meu sangue deixou de ferver e o calor que sentia era agora o simples mormaço da mata.
    “Parado, caburé!” - Disse ela repentinamente.
    Ela empunhou o arco, olhou para o lado e… um ataque animal!
    “Uma onça!” pensei, mas então ouvi um som estridente.
   Jacimar acerta algo, de longe, depois olha para trás, empunha uma flecha e fura outro animal, que, sorrateiro, já tinha cravado os dentes em meu pescoço. Olho para a frente de Jacimar, fora do campo de visão dela, uma vez que ela tinha se virado, e vejo um vulto pular em nossa direção. Em uma atitude reflexa, cerro os punhos, tudo uma fração de segundos, e golpeio o vulto, mas não antes de passar meu braço pelos sedosos cabelos da Jacimar. Com a força que empreguei no golpe, o animal é nocauteado; mas perdemos o centro de equilíbrio e eu caí por cima de Jacimar.
    Foi o mais perto que me aproximei da índia até então. Pude ver seus olhos negros, me fitando, pude sentir os volumes de seu corpo, e o cheiro selvagem de sua pele. Sabíamos, naquele momento, o que a posição de nossos corpos insinuava; o sangue fluía de meu pescoço, escorregava pelas minhas costas e finalmente gotejava quente em sua barriga nua. Ela parecia sentir prazer com a intimidade do meu sangue.
   Sim, meu caro Apolo, eu estava transbordando, fervendo outra vez, atraído por uma mulher cujos tataranetos devem estar hoje conhecendo seus próprios tataranetos! Uma personagem singela dentro da minha bizarra aventura; em meio um evento ainda mais estapafúrdio do que a mitologia do povo dela. Uma linda jovem que sequer pode imaginar o que se passa e o perigo que todos estamos correndo, mas que foi única a ter a coragem de ser minha aliada. Nem o padre que me mandou fugir e nem os moradores do arraial que se negaram a me dar informações; mas esse puro fruto ginescente da natureza.
   Pelo sorriso lascivo na face dela, eu receio que ela estivesse pensando o mesmo que eu. Mas, definitivamente, não era ocasião para se entregar a pensamentos libidinosos. Estávamos sob ataque, ou, pelo menos, tínhamos acabado de sofrer um ataque de… animais ferozes. Não onças, talvez, mas jaguatiricas, pelo menos.
    Um, Jacimar acertou com uma flecha usando o arco, o outro, cravou os dentes em meu pescoço e foi empalado pela flecha da Jacimar e o terceiro encontrou a fúria do meu punho; portanto, era o terceiro o que estava mais inteiro, talvez vivo. Examinamos o animal e pudemos identificar que tipo de fera era.


    E que feras eram, Daren?

    Daren se aproximou um pouco mais; como se estivesse prestes a dizer algo estarrecedor.

    Quatis, Adler! Eram insanos quatis! Quatis infernais, furiosos. Eu diria mortais, por mais ridículo que possa parecer. Um deles tinha um dedo humano preso nos dentes do fundo. Eu fico me perguntando o que seria de nós se fossem onças mesmo!
    “Vê caburé?” - a índia disse então, - “Essa região é mal. O cacique quer desfazer o trato com os caraíbas e voltar para o nosso lar, perto do mar. Mas eu sinto que o meu caminho é o mesmo que o seu; e o caminho… destino, vocês chamam assim? ...da minha tribo é com você também… antes de irmos para casa. Senão o abaçaí desse lugar vai seguir nós. Os bichos daqui é bicho diferente, às vezes agem que nem a gente: planejam, matutam coisa mal. Você deve falar com o cacique, caburé, ele vai achar você baquara, você falou com padre, falou com capitão, e não ficou com medo.”
    “Tá bom Jacimar. Mas não me chame de ‘caburé’; meu nome é Daren.”
    Jacimar põe a mão em meu rosto, se aproxima lentamente e me beija. Então diz:
    “Daren. Prazer em te conhecer.” 


<< Parte Anterior                                                    Próxima Parte >>

Nenhum comentário:

Fernando Vrech. Imagens de tema por andynwt. Tecnologia do Blogger.